quinta-feira, 30 de julho de 2009

Palavrões Também São Importantes (Luís Fernando Veríssimo)

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos
extremamente válidos e criativos para prover nosso
vocabulário de expressões que traduzem com a maior
fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será
esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma,
mas apenas sua maior aproximação com a gente simples
das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas
emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz
melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra
caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, quase uma
expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra
caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é
antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho,
entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando
a mais absoluta negação, está o famoso "Nem
fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada
eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não,
absolutamente não!" o substituem. O "Nem fodendo" é
irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a
consciência tranqüila, para outras atividades de maior
interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17
anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no
litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um
definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido,
NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai
pro Shopping se encontrar com turma numa boa e você
fecha os olhos e volta a curtir o CD do Caetano Veloso.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente
as situações onde nosso ego exigia não só a definição
de uma negação, mas também o justo escárnio contra
descarados blefes, que hoje é totalmente impossível
imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano
profissional. Como comentar a bravata daquele chefe
idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele
redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O
"porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê
sensações de incrível bem estar interior. É como se
estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública
de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na
sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato
"Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente,
sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante
qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca
outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido
tempo e clima para se reorganizar e sacar atitude que
lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de
maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E
sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no
meio do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém
faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite
do suportável, se dirige ao canalha de seu
interlocutor e solta:"Chega! Vai tomar no meio do seu
cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua
auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento
batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um
delicioso sorriso de vitória e renovado amor- íntimo
nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a
expressão de maior poder de definição do Português
Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora
ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais
exata, pungente e arrasadora para uma situação que
atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora
complicação? Expressão, inclusive, que uma vez
proferida insere seu autor em todo um providencial
contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim
como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos
do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma
sirene de polícia atrás de você mandando você parar:
O que você fala? "Fodeu de vez!".

Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é
inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!"
que ela fala. Existe algo mais libertário do que o
conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha
auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as
coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então
foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a)
mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!"
deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda -se!

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